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quarta-feira, 28 de março de 2012

Meu pobre pai e um esquema milionário em benefício do Bradesco


Por Sousa Neto

Meu pai teve uma existência inteira de trabalho. Nunca soube o que é lazer nem vícios, nunca andou por outros caminhos a não ser de casa para o serviço, e deste para casa. Cultivou muitos roçados, ergueu infindos prédios, mas nunca subiu na vida. Nunca teve nada, e, ao mesmo tempo, muito: um caráter irretocável, o que construiu ao custo de muito suor no rosto e uma enxada e uma colher de pedreiro na mão.

Uma vida toda de trabalho, no entanto, a previdência lhe negou a aposentadoria, e, já idoso e cansado, conseguiu um amparo assistencial a muito custo e humilhação, benefício do governo criado há uma década e meia e destinado ao homem e mulher com mais de 65 anos e sem renda.

Aprovada a concessão, meu pai esperou ansioso o primeiro pagamento, e eu imaginei que o benefício viria em um dos três bancos oficiais daqui, mas, para minha surpresa, chegou marcado de vermelho, na bandeira de um banco privado que, naquele ano e não faz muito tempo, nem agência tinha na cidade: operava sufocadamente dentro dos Correios.

Mas minha surpresa foi maior ainda quando cheguei com ele à agência dos Correios/Bradesco para sacar o benefício: o atendente, pago pelos Correios, mas a serviço do banco particular, argumentou logo que seria necessário meu pai abrir uma conta bancária para receber os próximos pagamentos e já foi enumerando os documentos que papai precisaria trazer; não eram muitos, mas deveria ser logo. Abriria a conta e, quando quisesse, podia fazer um empréstimo.

Mas eu retrunquei, afirmando que meu pai não iria nem necessitaria abrir conta em banco porque a taxa de manutenção é cara nem temos dinheiro para movimentar, e pedi que o atendente mantivesse a conta benefício, que é aberta automaticamente pelo governo e a que todo beneficiário tem direito sem ter que pagar nada, podendo, inclusive, fazer empréstimo consignado sem a necessidade da conta corrente.

Mas o atendente, com o apoio argumentativo de outro, reagiu, inventando que a conta benefício iria se acabar e todos precisariam ter conta corrente: mentiu para não perder o debate perante meu pai, cliente em potencial, nem diante de outros beneficiários que o governo também havia mandado para o caixa do Bradesco. É claro que todos os presentes, inclusive meu pai, acreditaram no rapaz do banco, mas, pelo menos meu pai, saiu de lá sem conta aberta nem promessa de abri-la.

Outro dia, vi uma bem feita e bem paga propaganda do Bradesco na TV, aliás, em todas as TVs: o banco dizia, imponente e orgulhoso, que tinha agência em todos os municípios dos país. Soube também que esse mesmo banco tem faturado bilhões nesses anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Diante dessas informações, recordei e refleti: o episódio que envolveu o meu pai no balcão dos Correios foi suficiente para me esclarecer o quanto carinhosamente paternal o lulismo tem sido com os banqueiros. Primeiro cedeu ao banco o recinto, a logística e os servidores da empresa postal, comprometendo a qualidade de um serviço histórico em nome do lucro bancário; depois entregou os beneficiários previdenciários e sociais nas mãos do banco para serem aliciados a abrir conta e fazer empréstimo.

Me angustiei, mas conclui com satisfação: pelo menos os tostões do meu pai não caíram na boca podre do lobo capitalista e corrupto disfarçado de cordeiro social e pai dos pobres. Foi aí quando me veio a vontade de falar com meu pai e saber como andava suas idas mensais ao Bradesco, que deixou os Correios em função do crescimento de sua clientela por conta da forcinha oficial e agora está com uma bela e farta agência no centro da cidade.

- Está tudo bem, papai?

- Está, meu filho!

- O senhor tá recebendo direitinho o pagamento?

- Tô, meu filho, mas num é naquele cartão mais não: é noutro.

- E o que foi que aconteceu, papai?

- Olha, meu filho! Eu resolvi abrir a conta no Bradesco e também fiz um empréstimo.

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